Artigo: "CPMI, corrupção e responsabilidade social", por Humberto Costa

Será uma luta longa e que precisa do envolvimento de toda a sociedade para ser bem sucedida

O escândalo de corrupção que resultou na criação da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito, conhecida como CPMI do Cachoeira, demonstra entre outras coisas dois fatos dignos de nota. O primeiro é que as instituições cujo trabalho é combater a corrupção permanecem trabalhando de forma eficiente e republicana no combate a esse câncer social. Nada disso teria sido descoberto sem o trabalho irretocável da Polícia Federal. O segundo é que além de ser uma luta difícil frente à qual não podemos baixar as armas em nenhum momento, será uma luta longa e que precisa do envolvimento de toda a sociedade para ser bem sucedida. E é este ponto onde ainda precisamos melhorar muito.
Quando se fala em corrupção no Brasil, muitas pessoas tendem a achar que esse é um problema apenas “do governo”, “da polícia” ou ainda “dos políticos”. É como se fosse um fenômeno totalmente dissociado de qualquer atitude que o cidadão comum possa ter tomado algum dia. É o que revelou um trabalho realizado pelo Ministério Público de Pernambuco (MPPE) em conjunto com a Faculdade Frassinetti do Recife (Fafire). Na pesquisa “O que você tem a ver com a corrupção?”, que também está sendo realizada em outras partes do País, foram entrevistadas pessoas em dez cidade da Região Metropolitana do Recife. Os resultados são preocupantes.

Quando perguntados sobre o desvio de verbas públicas para compra de votos, mais de 76% dos entrevistados consideraram esta prática como muito grave. No entanto, cerca de 55% dos homens e 46% das mulheres consideram “aceitáveis” baixar músicas, filmes e livros da Internet sem pagar nada por eles, sendo que quase 1/3 dos entrevistados entende essas atitudes como corretas. A maioria dos entrevistados entende que a corrupção é um grave crime, mas em torno de 30% dos homens e 25% das mulheres reconheceram já ter praticado algum ato de corrupção, como subornar um guarda de trânsito para evitar uma multa, fruto de uma infração de trânsito.
O combate à corrupção não pode ser feito apenas pelas polícias, Ministério Público e demais instituições de controle como a Controladoria-Geral da União e os tribunais de contas. É uma luta que começa em casa, na educação de nossos filhos e na revisão de condutas que, como mostrou a pesquisa do MPPE, infelizmente estão entranhadas em nossa cultura.
Se o Brasil almeja se transformar em um país desenvolvido, justo e com menos problemas sociais, deve mudar a maneira de tratar certas condutas. Não podemos tolerar a venda de produtos pirateados, sejam eles CDs, jogos eletrônicos, ou medicamentos. As pessoas precisam ter consciência de que quem oferece vantagem a um servidor público para ter, por exemplo, uma multa cancelada é tão corrupto quanto o servidor que aceitou o suborno. Precisamos acabar a idéia de que esse tipo de prática “é o jeito de resolver as coisas”. Se alguém no serviço público lhe cobra um suborno para cumprir sua obrigação de prestar um bom serviço, cabe a você cidadão, cidadã, denunciar essa prática à polícia, ao ministério público ou qualquer outra autoridade competente.

Enquanto essas práticas, conhecidas como “pequena corrupção” forem socialmente aceitas e consideradas “normais” pela população, não vamos chegar ao processo de transparência democrátoca que almejamos. Até porque os Cachoeiras da vida sempre começam praticando a “pequena corrupção”, vão evoluindo até chegar aos mais altos escalões do poder. Corrupção não é algo que se tolere, seja ela pequena, média ou grande e a responsabilidade de combatê-la é minha, sua, nossa. E esse combate se faz todos os dias, em cada atitude, em todos os lugares, em todo momento.
* O artigo acima foi originalmente publicado no portal Brasil 247 no dia 4/6/12. Humberto Sérgio Costa Lima, 54 anos, é médico, professor universitário e jornalista. Foi ministro da Saúde entre 2003 e 2005 e, em 2010, se elegeu o primeiro senador do PT de Pernambuco.