Artigo: "Disposição para acordo, mas com limites", por Humberto Costa

Qualquer argumentação que se faça sobre o Código Florestal que tramita no Senado deve recorrer à nossa história climática e ambiental, à ocupação do nosso território, ao passivo ecológico acumulado ao longo dos séculos e, principalmente, à relação causa-efeito das tragédias ambientais que têm assolado brasileiros de todas as classes sociais, faixas de renda e regiões.
Nas áreas urbanas, multiplicam-se os deslizamentos de encostas e inundações, exigindo recursos cada vez maiores para o socorro emergencial das vítimas. Na Amazônia, após anos de recuo, o desmatamento retomou sua atividade ilegal e, com ela, a volta dos assassinatos de camponeses que defendem a floresta.
O Senado deverá manter a serenidade, sem o confronto emocional que, na Câmara dos Deputados, produziu uma série de irracionalidades, culminando com a sessão de votação, quando a derrota momentânea ao governo tornou-se mais importante do que as condições de vida das futuras gerações e as bases do Brasil como potência agrícola, ambiental e energética.
Entre as várias lacunas do texto aprovado na Câmara, não desconsiderando o trabalho de seu relator, o deputado Aldo Rebelo (PC do B-SP), está o de não acatar a colaboração dos cientistas brasileiros. Ao ignorar esse conhecimento, o Código Florestal restringe a terra como fonte produtora de alimentos, negando a economia sustentável do futuro e a nascente indústria de serviços ambientais.
Outra incongruência foi prender-se excessivamente ao que pode ou não pode ser desmatado, criando lacunas que poderão nos custar muito, além de impedir que honremos compromissos internacionais. Mantido como está, o texto impede que o Brasil cumpra as metas de redução na emissão de gases, assumidas na COP-15 (Conferência da ONU sobre Mudança do Clima). Caso esse erro perdure, deixaremos de ser referência global e de participar do mercado de créditos de carbono, de US$ 30 bilhões anuais.
Nenhum dos desatinos, no entanto, é tão grave quanto o que, em nome da segurança alimentar, prevê mais desmatamentos para a expansão da fronteira agrícola. No curto prazo, essa liberdade reverterá em prejuízo. Métodos medievais e criminosos de incorporação de novas áreas para plantio já impediram a exportação de vários desses produtos, como a soja, o etanol e a carne bovina.
Também começam a ser erguidas barreiras no mercado interno, como comprovam decisões recentes de duas grandes redes de supermercados de não comprar produtos de áreas ilegalmente desmatadas. Essa tendência é irreversível. O Código Florestal não pode prever qualquer tipo de anistia ou proteção para desmatadores que destroem nosso principal patrimônio em troca do lucro imediato, mas, sim, aplicar pesadas penalidades. Serão essas medidas de correção que impedirão crimes como o de abril passado, quando, estimulados pela perspectiva de uma anistia que não virá, foram desmatados 407 km2 de florestas – ou metade do total do ano passado.
Contra esse absurdo, a presidenta Dilma Rousseff confirmou a aplicação das penalidades, “não por vingança, mas porque as pessoas têm de perceber que o meio ambiente é muito valioso”. O Brasil do século 21 não comporta a condicionante de que a produção agropecuária só estará garantida com a destruição da natureza.
O principal benefício do Código Florestal será a criação de leis que promovam a relação harmônica do homem com o seu meio e que estimulem a exploração racional e sustentável dos recursos naturais. O caminho para alcançar esses objetivos é o entendimento.
Este artigo foi publicado no jornal Folha de São Paulo de 04/07/11. Humberto Costa é senador pelo PT-PE, líder da bancada do PT e do bloco de apoio ao governo no Senado.
Imagem: reprodução do jornal impresso (clique aqui para ver na íntegra).

Qualquer argumentação que se faça sobre o Código Florestal que tramita no Senado deve recorrer à nossa história climática e ambiental, à ocupação do nosso território, ao passivo ecológico acumulado ao longo dos séculos e, principalmente, à relação causa-efeito das tragédias ambientais que têm assolado brasileiros de todas as classes sociais, faixas de renda e regiões.
Nas áreas urbanas, multiplicam-se os deslizamentos de encostas e inundações, exigindo recursos cada vez maiores para o socorro emergencial das vítimas. Na Amazônia, após anos de recuo, o desmatamento retomou sua atividade ilegal e, com ela, a volta dos assassinatos de camponeses que defendem a floresta.
O Senado deverá manter a serenidade, sem o confronto emocional que, na Câmara dos Deputados, produziu uma série de irracionalidades, culminando com a sessão de votação, quando a derrota momentânea ao governo tornou-se mais importante do que as condições de vida das futuras gerações e as bases do Brasil como potência agrícola, ambiental e energética.
Entre as várias lacunas do texto aprovado na Câmara, não desconsiderando o trabalho de seu relator, o deputado Aldo Rebelo (PC do B-SP), está o de não acatar a colaboração dos cientistas brasileiros. Ao ignorar esse conhecimento, o Código Florestal restringe a terra como fonte produtora de alimentos, negando a economia sustentável do futuro e a nascente indústria de serviços ambientais.
Outra incongruência foi prender-se excessivamente ao que pode ou não pode ser desmatado, criando lacunas que poderão nos custar muito, além de impedir que honremos compromissos internacionais. Mantido como está, o texto impede que o Brasil cumpra as metas de redução na emissão de gases, assumidas na COP-15 (Conferência da ONU sobre Mudança do Clima). Caso esse erro perdure, deixaremos de ser referência global e de participar do mercado de créditos de carbono, de US$ 30 bilhões anuais.
Nenhum dos desatinos, no entanto, é tão grave quanto o que, em nome da segurança alimentar, prevê mais desmatamentos para a expansão da fronteira agrícola. No curto prazo, essa liberdade reverterá em prejuízo. Métodos medievais e criminosos de incorporação de novas áreas para plantio já impediram a exportação de vários desses produtos, como a soja, o etanol e a carne bovina.
Também começam a ser erguidas barreiras no mercado interno, como comprovam decisões recentes de duas grandes redes de supermercados de não comprar produtos de áreas ilegalmente desmatadas. Essa tendência é irreversível. O Código Florestal não pode prever qualquer tipo de anistia ou proteção para desmatadores que destroem nosso principal patrimônio em troca do lucro imediato, mas, sim, aplicar pesadas penalidades. Serão essas medidas de correção que impedirão crimes como o de abril passado, quando, estimulados pela perspectiva de uma anistia que não virá, foram desmatados 407 km2 de florestas – ou metade do total do ano passado.
Contra esse absurdo, a presidenta Dilma Rousseff confirmou a aplicação das penalidades, “não por vingança, mas porque as pessoas têm de perceber que o meio ambiente é muito valioso”. O Brasil do século 21 não comporta a condicionante de que a produção agropecuária só estará garantida com a destruição da natureza.
O principal benefício do Código Florestal será a criação de leis que promovam a relação harmônica do homem com o seu meio e que estimulem a exploração racional e sustentável dos recursos naturais. O caminho para alcançar esses objetivos é o entendimento.
Este artigo foi publicado no jornal Folha de São Paulo de 04/07/11. Humberto Costa é senador pelo PT-PE, líder da bancada do PT e do bloco de apoio ao governo no Senado.
Imagem: reprodução do jornal impresso (clique aqui para ver na íntegra).